Segunda-feira, 29 de Agosto de 2011

José Saramago / Carta Para Josefa, Minha Avó

      

 

 

 

 

 

 

 

Tens noventa anos. És velha, dolorida.

Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo - e eu acredito.

 

Não sabes ler, tens as mãos grossas e deformadas,

os pés encortiçados.

Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha,

albufeiras de água.

Viste nascer o sol todos os dias.

De todo o pão que amassaste se faria um banquete Universal.

Criaste pessoas e gado, meteste os bácaros na tua própria cama

quando o frio ameaçava gelá-los.

Contaste-me histórias de aparições e lobisomens,

velhas questões de família, um crime de morte.

 

Trave da tua casa, lume da tua lareira -

 Sete vezes engravidaste

 Sete sete vezes deste à luz.

 

Estou diante de ti, e não entendo.

Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo.

Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo.

 

Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era

quando nasceste:

uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que

não faz parte da tua herança:

quinhentas Palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta,

uma casa de telha-vã e chão de barro.

 

Aperto a tua mão calosa,

passo a minha mão pela tua face enrijada

e pelos teus cabelos brancos,

partidos pelo peso dos carregos

e continuo a não entender.

 

Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente.

Por que foi então que te roubaram o mundo?

 

Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como,

o porquê e o quando se soubesse escolher

das minhas inumeráveis palavras

as que tu pudesses compreender.

Já não vale a pena.

 

O mundo continuará sem ti - e sem mim...

Não teremos dito um ao outro

o que mais importava.

 

Não teremos realmente?

Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas,

o mundo que te era devido.

 

Fico com esta culpa de que me não acusas - e isso ainda é pior.

 

Mas porquê avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta,

aberta para a noite estrelada e imensa,

para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás,

para o silêncio dos campos e das árvores assombradas,

e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos

e o fogo da tua adolescência nunca perdida:

 

"O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer!".

 

É isto que eu não entendo - mas a culpa não é tua.

 

 

Zé   

 

 

Dada a beleza e a sensibilidade desta carta dirigida a todas as avós

do mundo inteiro, não poderia, para mim, passar despercebida.

Não podia!...

 

Um Abraço,

 

Maria luísa Adães

 

 

publicado por M.Luísa Adães às 10:43
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De poetazarolho a 30 de Agosto de 2011 às 22:09
Uma carta ao Zé,

“As intermitências da vida”

Ontem sentimo-nos todos morrer, a vida tem destas intermitências, foi precisamente como se de um vazio se tratasse, algo estranho acontecera, por alguns instantes não conseguimos sintonizar-nos com a vida, precisamente por essa intermitência que se havia dado, mas afinal logo verificámos que tudo estava bem.

A vida prosseguia normal, a polémica em torno de um grande da nossa cultura, prosseguia como até então, incomodando e desassossegando, como sempre quis e sempre parece ter conseguido, pelo menos deve ter incomodado e desassossegado todos aqueles a quem a consciência pesa, ou talvez não, não sei.

Não sei, mas sei que essa intermitência cedo cessou pois logo vozes se levantaram a criticar a sua próxima viagem de avião, pobres diabos de má consciência, incomodada e desassossegada, deixem o homem viajar em paz ao menos uma vez na vida, é fim de semana vão para a praia bronzear, bronzeiem por fora e por dentro, torrem de vez essas consciências.

E se muitos apareceram a criticar as suas tomadas de decisão, logo outros tantos se apressaram a elogiar e a colar-se a tão distinta figura, mesmo muitos que antes ignoraram, agora colam-se, para quê logo agora, deixem o homem tomar as suas decisões em paz ao menos uma vez na vida, é fim de semana vão para o casino Lisboa, torrar as vossas carteiras após terem torrado essas consciências.

E já agora Zé, se sempre desassossegaste e deixaste na ignorância todos esses ignorantes, continua a fazê-lo como até aqui, não aceites a boleia que te querem oferecer, não deixes que invadam o espaço da tua intimidade e sobretudo conserva essa capacidade de continuar a desassossegar quem continuar a teimar cruzar-se pelos teus caminhos.
De M.Luísa Adães a 31 de Agosto de 2011 às 13:39
Poeta

Belo texto! E o final, muito bom!

Merece prémio. Parabéns,

Mª. Luísa
De Maria João Brito de Sousa a 1 de Setembro de 2011 às 23:42
Caramba! O nosso Poeta é bom, muito bom, nas suas cartas! Que maravilha! Adorei estas cartas!
De M.Luísa Adães a 3 de Setembro de 2011 às 08:30
É bastante bom e eu o vou acompanhando,
retificando algumas idéias e elr agradece.
Interessante, o rumo que está a ser dado!

Mª. Luísa
De Maria João Brito de Sousa a 3 de Setembro de 2011 às 14:19
Muito interessante! Eu só o conhecia enquanto poeta. Não lhe conhecia a prosa que considero muitíssimo boa. Infelizmente eu não estou bem e sempre que o físico se ressente, deixo de conseguir escrever seja o que for que valha a pena.
O nosso amigo continua a deixar-me sonetilhos como comentários e eu, pelo menos a ele, vou sempre tentando responder. Faço um sonetilho sem qualquer qualidade poética, mas que acaba por ser engraçado porque eu respondo automaticamente, como se alguém estivesse a falar comigo e eu tivesse de responder "à letra"... este é o verdadeiro espírito da desgarrada e é por isso que eu "fecho os olhos" à qualidade formal. Só não sei se, no estado de exaustão a que cheguei, vou conseguir fazer mais alguma coisa nos próximos tempos. Ontem um amiga convenceu-me a ir ao supermercado com ela e eu ia morrendo de cansaço só por isso. Tive de andar amparada a um dos carros maiores e, mesmo assim, foi difícil acompanhá-la. Hoje terei de voltar, com o meu carrinho de compras, porque preciso de areias, mas não sei onde irei buscar forças para as trazer, lavar e mudar os litters deles. Mas tem de ser porque isto está insustentável! Hoje nem consegui dar, ainda, a medicação ao Beethoven porque ele vomita tudo e mais alguma coisa... por todo o lado. Também vou ter de lavar o sofá... não sei como, mas vou.
Até já!
De M.Luísa Adães a 4 de Setembro de 2011 às 10:22
Ele escreve bem! É um poeta satirico, voltado para a politica, mas interessante para responder, com essa conversa tipo Bocageana,
onde o vate respondia a tudo, ao que devia e não devia e assim gastou o talento, sem escrever uma obra.

Estou e ele está muito longe dele, mas era este tipo de versos que se trocavam naqueles tempos.
Quanto à saúde, a minha ainda muito má e
ontem apanhei um susto medonho com o pc
do qual senti uma descarga elétrica que pensei
que a minha cabeça ia ao ar e eu morria.
Ainda me sinto muito abalada e a vértebra
continua a dar sinal e o tratamento continua.

Sinto que estou mal! Isto que faço ( e ontem duvidei da minha cabeça) está mal...

Estamos ambas mal, só as circunstâncias e o cenário do palco, são diferentes.

Um abraço,

Mª. Luísa
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24. Setembro .2001